Tuesday, March 28, 2006

sibilante floresta meu amigo
canta na noite quando não estás
a casa é uma rocha de silêncio
de tédio neste chão escavado
pelo tempo de nos amarmos

por tanto tempo

a contenção é uma arte
em tudo abominável

de modo contido te digo
que esta arte te eleva a deusa

do teu silêncio
adivinham-se lagos
nuvens correm rente ao chão
que extremo peso carregas
meu amado
que pedra de raiva
engoles em seco
que lágrimas do teu silêncio
são estas que eu choro

Thursday, March 23, 2006

desenho o grande olho negro
no centro da imaginação
0 olho que traz a derradeira
absoluta visão da desarmonia

agonizas inundado de tédio
as camas não são tuas
nem as janelas que se abrem
madrugada fora te acolhem
as ruas trazem sempre cheiros
de flores ou ervas cortadas
na noite tu não vês nada
que claro te faça o dia

Wednesday, March 22, 2006

chegaste pela manhã a contar um sonho
dizes descemos as escadas ingremes
e saímos numa noite quente sem lua
contas a sorrir que decidimos tudo acabou
dizes vou arrumar a casa dizes não voltarei
dissemos no escuro palavras sensatas
tu sabes que foi assim afirmas que sorrimos
eu do sonho acordei com o teu abraço
não tomes como certa a desistência
de te amar para o resto da vida

chegado o dia ao fim
lamento a falta do sol
a pique sobre a pedreira
e deixo-me sentar
em frente à noite tão clara
vazia do zunido das abelhas
do corpo infantil deitado
na água fresca da horta
tão alinhada na terra
deixo-me cair na noite
fria da tua voz perdida
na espera de tantos anos
a esquecer os cheiros
que se colavam ao corpo
como o pó que bebíamos
quando rebentavas a rocha
com a dinamite guardada
nas caixas ao fundo da casa
e os cães fugiam do estrondo
escondidos no nosso abraço
chegado o dia ao fim
deito-me de luz acesa
que na noite ainda vivem
as velhinhas cruéis dos teus contos
que deixavam exangue
a imaginação

Tuesday, March 21, 2006

minha irmã puro sangue
nadas nas águas nocturnas do mar
todos riem eu finjo que não temo
que não contenho a raiva a alegria
a dor o medo o desejo da tua pele
que não te bebo cada gesto
nem é por ciúme que te cubro
ou por loucura que te seco o sal

Friday, March 17, 2006

estamos parados no meio da terra
embevecidos com o cantar dos pássaros
emocionamo-nos até à raíz da idiotia

Thursday, March 16, 2006

e se os dias arrastam
maré fora o medo
será porque nascem flores
em caminhos novos

e as minhas asas
abertas ao sol de março
são acaso o vento
levantado pelas mãos

e esta pele em fulgor
mordida na tarde
servirá o invisível
agitado coração

Sunday, March 12, 2006

chegado ao fim da rua encontro um beco
nenhum lugar por onde continuar
de testa na parede descanso à espera
deixo os braços caídos ao longo do corpo
agora começo a assustar-me a pensar
nos passos errados que me trouxeram
o que sou eu senão estes passos
o que sou eu senão estas lágrimas quentes
que me enchem os olhos exaustos de não querer ver
penso em voltar atrás mas atrás até onde
vou ficar aqui de testa na parede adormecer
é tão longo o labirinto e em mim tudo me diz
que esta parede é a minha saída

Saturday, March 11, 2006

traz-me de novo os teus braços
fechados à volta do meu corpo
não temas o frio dos últimos anos
em nós seremos sempre o primeiro verão
o primeiro vôo o calor da noite na tua cama
as palavras sussurradas junto à pele
silenciadas nos olhos no espanto
no desejo saciado de um beijo
em nós seremos sempre o riso
os dedos tocados em segredo
os dias intermináveis junto ao rio
em nós seremos sempre meu amor
o interminável prazer de existirmos

partem-se espelhos
contra punhos cerrados
quebram-se os dedos
na procura do alívio
não se grita a dor
guarda-se o sangue próprio
em frascos novos datados
para beber na velhice
chora-se o menos que se pode
desviam-se os olhos da vida
escreve-se uma palavra
atrás de outra em segredo
nos cadernos privados
fica-se sentado no medo
ou de joelhos prostrado

no tempo em que colhías amoras
de grandes árvores na berma da estrada
era sempre verão na água fria das fontes
nenhum medo escurecia o dia

Friday, March 10, 2006

há não sei quantos milhões de anos
carrego o mesmo espanto
respostas nasceram exactas
não mataram a pergunta
que banal persiste

que magia existe na chuva na árvore
no olhar duma criança no amor
que apenas existindo me salvam

resistimos às lágrimas
um medo intenso corrói
o interior dos corações
rimos muito a esconder
os animais assustados
que trazemos por dento do corpo
exibir a tristeza a dor o fracasso
é como andar descalço na rua

a alegria é boa de qualquer modo
não pesa nos ombros que nos cruzam

Monday, March 06, 2006

fica-se sempre parado se o sol nasce
antes de o corpo adormecer
olha-se a vida dos outros pela janela
temos pena que sejam tristes
que caminhem nas ruas ao amanhecer
tão sozinhos apressados no frio tardio

volta-se para a cama
adormecer é bom para sonhar

se não for memória a mulher será invenção
para este momento não temos palavra
a sinceridade é um embuste um alívio
nada há que se conheça

uma mulher é um vislumbre

Sunday, March 05, 2006

pões o corpo à janela
dás ao acaso a ternura
um soco nos olhos
feridos dos velhos


e sorris

to elsinore


o mar ao norte agita-se
em cinzentos maiores
imagino que chova muito
na cidade que habitas
imagino ruas ao frio

mas tu tens em ti o claro
solar domínio do dia

Wednesday, March 01, 2006

um dia salta-me a tampa!!!

(a dizer com um gesto de mão a disparar da testa)

uma linha no chão
diz-te quantos os passos incertos
quantos os anos
no lado de cá do limite
correr ou parar de medo
quem desenhou
a linha no chão
não contou contigo
não previu os teus pés sobre
o risco a apagar o caminho
quem desenhou
a linha no chão
não te sabe a teimosia
o caminhar lento
o salto sobre o destino
o grande medo de cair de borco
sobre os destroços acumulados
no tempo o relógio acelerado
a coragem indistinta
do medo novo a cada dia
quem desenhou
a linha no chão
não entende as profundas marcas
na terra quando fincas os pés
e abres abismos para o interior
recusando que em frente
seja o caminho

um anjo há-de ser azul e erguer-se da terra
longas asas brancas resplandecentes
fustigarão o ar levantando pó e pedra
as mulheres ficarão prostradas às portas
nuas o sexo exposto aos homens que verterão
grossas lágrimas dos olhos aterrados de prazer
há-de erguer-se da terra o anjo espelho
e os corpos serão finalmente o céu