Sunday, December 10, 2006

traz o coração à boca
a coragem nasce do medo
como o óbvio precisa ser dito
há uma palavra no princípio de tudo
só nela existe o gesto

dá-se um nó na garganta
que trave a palavra

o corpo é um arquivo
da comoção

quero da vida o dia de ontem
repetido todas as manhãs
o sol incómodo de dezembro
a bater no frio das casas
as tuas mãos nos bolsos
os meus passos largos
e a cidade toda por nossa conta
e risco
quero o segundo para que não tive tempo

Wednesday, December 06, 2006

por vezes amanhece injustamente
as tílias da praça abrem-se em ruínas
pesados braços caem na terra
quem manda no tempo
quem manda
há uma dor que pede um minuto
um minuto sem tempo
uma madrugada para sempre parada
um choro suspenso

meu muito amado pássaro
trazes asas a roçar o chão
longas penas traçam na terra
linhas de veludo
arrastas o teu vôo
tão perto das árvores
receio pelo teu peito
sussurro

um buraco no estômago
um tiro de caçadeira rente à pele
desfaz a carne do homem
abre-lhe os olhos de espanto
pára-o finca-lhe os pés na terra
até criarem raízes sedentas
uma palavra torna-se obsessão
impossível estancar o tempo
ou a solidão derramada

por dentro do homem
a incansável aranha tece a rede
prende o medo na frágil geometria de seda
cospe o fio de desejo
enreda os dias em pequenos casulos
roda-os nos finos dedos guarda-os aos cantos