Friday, May 26, 2006

a ferro quente na pele
uma marca de tempo
no silêncio a desistência
do entendimento
corro para os teus braços
não chego corro
que dourada estrada
sob os pés olho não percebo
o escuro do sono dormir

um lenço lilás ao vento
pescoço altivo de mulher
um corpo
uns olhos de despir a vida
esta força de medo de jogar
o jogo de esconder detrás do riso
a solidão para sempre desde o início
atirada ao mundo como todos nós

de que falar senão de mim
em que paisagem não entro
espantada de me ver ali

Thursday, May 18, 2006

antes que a noite chegue
à tua voz ao teu abraço
vou cravar as unhas nos olhos
lamber o sangue rir
antes que a noite chegue
ao meu desespero

Tuesday, May 16, 2006

não há inocência na tua pele
quando abres esses olhos
enormes fixos em mim
mulher em cada poro feres
de fogo o desejo que carrego
nas mãos ocupo um espaço
que será teu a um mero riso
rendo-me já manobra os fios
que eu danço para ti corro
sento-me deito-me choro
por ti não me pertenço

Sunday, May 14, 2006

nasce uma febre dentro do corpo
que não assoma à pele
um fogo nos olhos expande o medo
o desespero de não saber carrega-se
na carne nos ossos expostos
a este silêncio interno a este frio
lava-se a cara pelas manhãs
sem fixar os olhos no espelho
sai-se de sorriso em esforço
passos largos em direcção ao dia
de dor invisível na garganta
carrega-se o nosso corpo por dentro

Friday, May 12, 2006

há dias assim
dias curtos bruscos
dias em que chuva fresca
cai nas mãos abertas ao céu
dias limpos de pó de névoa
dias musicais belos azuis
dias de esquecer a vida
os amigos a saudade eterna
dias de perder anos
de ganhar luz

Sunday, May 07, 2006

dos dias restam pequenas marcas
indeléveis marcas interiores de corrosão
rugas em papel seda muito branco

Saturday, May 06, 2006

toca-me nestas mãos sobre a mesa
o amor não será nunca um lugar comum
será sempre o único lugar ansiado
o tremor de ouvir os teus passos no soalho
os cinco minutos antes da tua chegada
mesmo se tu não existes
e isto é apenas um exercício de palavras
mordes o lábio inferior enquanto escutas
e um milímetro da tua pele sorri
há um crime violento nos teus olhos
um golpe de luz
é claro que o mundo me preocupa
mas quando tu chegas toda me concentro em ti

Friday, May 05, 2006

hoje trazia as mãos cheias de cravos
não eram vermelhos não eram simbolos
eram apenas flores de folha miudinha
de cheiro intenso a verão sorriam
nas mãos calejadas de muitos anos
queimadas de sol e falta de ternura
carregava a delicadeza das flores
esta imagem de homem grande
a carregar a fragilidade minúscula
dos cravos a oferecer-ma pura
colou-se a mim em comoção a mim
a quem a vida corre tão bem

há lá fora um imenso desabrochar de vida
o limoeiro é um milagre de amarelo vivo
do ácer rebentam folhas rubras veludo
tanta perfeição e eu pele morta exausta
não me renovo ou perco nas estações do ano
deve ser bom aguardar o sol saber que vem
um dia certo para o trabalho de voltar a existir
o fim do acaso e da vontade que milagre

se um homem se senta e ri
é alegria que sente ou medo
quantos um corpo encerra
qual de mim fuma um cigarro
a esta janela matinal azul
o que de mim ontem disse
qual de mim calou

Wednesday, May 03, 2006

hei-de acomodar-me a esta
impossibilidade de ser livre
nessa hora não quererei andar
ao contrário dos passos dados
nem nas minhas costas
carregarei o peso do silêncio
acredito que se iniciará a hora
em que poderei descansar
esquecer que anseio os enigmas
escondidos em cada homem
voltada de frente ao possível
iniciarei a marcha tranquila
de quem caminha em direcção
a lugar mágico nenhum

Tuesday, May 02, 2006

beijo as minhas mãos sobre os teus olhos
amo estes nós dos dedos atados em ti
esta pele fundida até aos ossos queridos

chove pedra sobre os meus ombros
a cada passo acumulo pedaços de rocha
carrega-me nos teus braços

que sangro

Monday, May 01, 2006

hoje morreu uma mulher que não conheci
de si sabia o nome a comoção nos teus olhos
o gesto trémulo da perda nas tuas mãos
da mulher que hoje morreu e não conheci
pelas lágimas que te vi conter tudo sei

uma luz intensa ou um grito
neste espelho de terra húmida
devolvem-me a certeza do absurdo
do pisar por milénios os mesmos passos
em círculo contínuo de espanto
que alegria incontrolável é esta
que força arrasta o riso contra mim