Friday, November 24, 2006

voltas ao quarto de aluguer
por toda a noite cantam
prontas a cair a cada passo
as sombras pardas do tempo
enfias as mãos debaixo da roupa
pousadas no peito antigo
pesam mais que todo o corpo
mais que a flor roxa da manhã
que o amor desperdiçado

por toda a vida quis escrever um verso
mas sempre adormeceu cedo
pela manhã ao percorrer as ruas
via os poderosos versos a crescer das casas
grandes rochas repletas de palavras a cobrir o chão
muita gente atarefada com palavras aos ombros
e minúsculas letras no bafo da respiração
maravilhado com as palavras dos outros
cedo ficava cansado e adormecia

Friday, November 17, 2006

a cada passo uma nova angústia
lhe sobe à boca a cada passo a engole
sente pequenas e repetidas dores nos braços
há na rua um homem que não chora
mas traz lágrimas atravessadas na garganta
e o vazio do medo no estômago
as mãos esperam um gesto que tarda
um desejo uma palavra clara
há na rua um homem faminto

Tuesday, November 14, 2006

uma parede de rocha nos teus olhos
impede a passagem paleativa do tempo
fecha no interior os pássaros da infância
os que te amam fizeram com as braços
uma cadeira onde te transportam
revezam-se de dois em dois dias
quando o teu peso já deixou marcas negras na carne
e tu ondulando avanças
indiferente ao ritmo dos seus passos

inventamos avenidas à beira mar
fins de tarde de Verão em praças bucólicas
ou um quarto de hotel noutra cidade qualquer
só esta bola de vidro onde batemos as asas
já não serve para guardar o desejo e o medo
estamos aflitos como pássaro sem ar

Saturday, November 11, 2006

há uma insónia à espera
em todas as casas
um sopro frio no escuro
quando voltares os olhos para dentro
é bom que leves uma palavra que resgate

Thursday, November 02, 2006

uma chuva de areia fina
cai-lhe sobre os ombros
ao longo de todo o dia
engrossa até ser pedra
quando pára e ri
há no seu riso uma folha
encharcada de medo
um nó a suportar o peso
de todo o corpo soterrado

há uma canção nos teus olhos
uma melodia nocturna
cresce nos meus silêncios
vinda do teu corpo
é uma harmonia uma doçura
há um vento que te habita
me assusta me persegue
é um rumor um enigma
uma ligeira agitação na tua pele
e esta quietude em mim
este respirar contido
o medo de não perceber
em que movimento exacto
as mãos anunciam que te vou perder

és de mim a casa
o cheiro íntimo
és de mim a fala
o corpo querido
a música na noite
és de mim o beijo
neste abraço de espera